"Agarrar-se à educação como se fosse a tábua de salvação para os problemas nacionais representaria uma posição ingênua, destituída de criticidade."
(Saviani, Demerval. 2000, p.2)
O bullying parece ser um termo que já incorporamos ao nosso vocabulário diário que até mesmo na escola ao trazermos como temática pedagógica configura-se "puro tédio" ou mesmo "desinteresse" por parte de pais e alunos. Numa definição conceitual mais precisa temos - "Bullying, também chamado de intimidação sistemática, é todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas com objetivo de intimidá-la ou agredi-la causando dor e angústia à vítima..." Porém, é aqui importante retomarmos reflexão para algo além do conceitual.
"...é possível perceber que a prática de bullying está além das fronteiras das salas de aulas e de alguma forma penetra no campo de aprendizagem muitas vezes de uma forma "naturalizada"
Exatos vinte anos atrás levar o tema para o planejamento escolar e discussões em seminários, Feiras de Conhecimentos ou mesmo palestras consistiam ações desafiadoras principalmente por não haver material de apoio pedagógico e os casos (quando ocorriam) ficavam limitados a notícias breves e manchetes dos principais jornais. Era sim desafiador e se fazia possível levar esta reflexão além do ambiente de ensino. Por sua vez, naquela época e ainda atualmente é possível perceber que a prática de bullying está além das fronteiras das salas de aulas e de alguma forma penetra no campo de aprendizagem muitas vezes de uma forma "naturalizada"
Costumo muito ouvir (de adultos) posições de que a "escola de antigamente era melhor, era respeitadora" e por sua vez, quando havia alguma prática semelhante "os jovens suportavam". Mas, a questão hoje é mesmo "suportar ou não" ao sofrer o bullying? Me preocupa muito esta maneira de simplificarmos atitudes e de não provocarmos maior reflexão mesmo naquilo ao que acreditamos ser "normal".
Souza (2016), no seu estudo - "Retrato de professores: o associativismo docente em Pernambuco (1979-1982) - durante entrevistas realizadas junto a ex. estudantes identifica práticas de violência ocorridas dentro do ambiente escolar (realizadas estudantes e até mesmo professores) que marcaram aqueles jovens e que ainda se reflete nos dias atuais. Segundo as falas dos entrevistados temos:
"Nesse referido ano [1981], sofri o que hoje chamam de Bullying, pois humilhada pela professora de matemática, quando a mesma me chamou para ir ao quadro e responder uma operação de divisão por dois números. Não sabia como responder, pensei que ela fosse me ensinar como fazer. Ao invés disso, ela mandou que eu fosse me sentar, e me chamou de “burra” na frente de todos.."
(Depoimento ex. estudante de uma unidade escolar da região do interior do Estado/ década de 1981)
"Lembrei agora do alto grau de preconceito. Na segunda escola tinha um menino afeminado e ele foi altamente humilhado. Achava aquilo um absurdo, mas calava pra não ser excluído do grupo... que loucura isso!"
(Depoimento ex. estudante de uma unidade escolar da região do interior do Estado/ década de 1982).
Onde nasce exatamente a postura e atitudes violentas postas diariamente por nossos jovens que estão dentro dos espaços escolares? A postura de um estudante que demonstra desinteresse ao ambiente escolar é mesmo reflexo apenas da "escola não ser um ambiente divertido"? Afinal, qual o papel da escola e dos profissionais que ali estão?
"O isolamento é a característica comum mais importante dos professores seriamente afetados pelo desajustamento provocado pela mudança social.
(Nóvoa, António. 1999, p.119)
Atualmente, temos uma variedade de materiais didáticos postos no mercado, na internet e bibliotecas voltados para trabalharmos a temática bullying. Também, é importante destacarmos que significativa parte das unidades escolares funcionam em horário integral, desenvolvem palestras com especialistas mas diariamente temos notícias da reprodução de violência (também ciberbullying) por jovens que observam tudo de uma maneira naturalizada ao que impacta também no próprio trabalho pedagógico do professor. Esta percepção é apresentada por Nóvoa (1999, p.119) ao afirmar analisar os impactos das mudanças sociais no desenvolvimento do trabalho docente, ao que segundo o teórico: "O isolamento é a característica comum mais importante dos professores seriamente afetados pelo desajustamento provocado pela mudança social." E assim destaca como caminho: "A Formação permanente deve construir-se a parte de uma rede de comunicação, que não se deve reduzir ao âmbito dos conteúdos acadêmicos, incluindo também problemas metodológicos, pessoais e sociais que, continuamente, se entrelaçam com as situações de ensino."
Mas, paralelo ao papel desenvolvido no ambiente escolar já paramos para perceber o quanto no cotidiano social dos jovens é "atrativo"? E com isso temos situações de estudantes utilizando o Tik Tok, postagens no Instagram, Trends e assim replicando situações a partir de vídeos que oferecem as "pegadinhas" (muitas dessas violentas, desrespeitosas a dignidade) como mera diversão. Temos desta forma e muitas vezes dentro do ambiente escolar uma postura por parte de muitos adolescentes próximas como agem no seu convívio familiar ou mesmo de amizades extraclasse.
O que a escola poderá fazer?
"Se ao contrário de preencher excessivos relatórios e produzir apenas dados estatísticos esse profissional venha utilizar o tempo pedagógico para planejar e executar atividades realmente eficazes questões como a que levantamos aqui seriam melhor combatidas."
Outro aspecto que atualmente nos chama atenção é também a postura "omissa ou permissiva" de muitos pais que não acompanham o desenvolvimento integral de seus filhos. Cada vez mais o estudante está "jogado na escola" e poucos pais conseguem ou buscam responder questões levantadas pela escola durante reuniões ou "chamadas". Por qual motivo seu filho só chega atrasado? Como explicar o fato do estudante não realizar atividades e dormir durante quase todas as aulas? Por qual motivo o estudante apresenta estar diariamente doente? Muitos dos responsáveis quando comparecem limitam-se no máximo a perguntar pela nota e se o percentual de faltas afetará o recebimento de benefícios.
O que a escola pode fazer?
Pois bem, a questão bullying e de intolerância parece passar distante destas questões mais na verdade estão literalmente atreladas.
"A carga horária imposta ao professor é desumana e não possibilita que o mesmo se qualifique e planeje ações pontuais para combater a prática de bullying até mesmo no espaço escolar."
Os professores buscam a todo momento desenvolver práticas que buscam conscientizar jovens e comunidade escolar de um tema muito importante mas esbarra em alguns pontos como o próprio "tecnicismo" de gestões educacionais que exigem que temáticas sejam abordadas muito mais priorizando "evidências" nas redes sociais, "preencher planilhas ou mesmo cobrir datas festivas"; ou seja: o próprio sistema educacional muitas vezes inviabiliza o trabalho que professores poderiam desenvolver. Se ao contrário de preencher excessivos relatórios e produzir apenas dados estatísticos esse profissional venha utilizar o tempo pedagógico para planejar e executar atividades realmente eficazes questões como a que levantamos aqui seriam melhor combatidas. A carga horária imposta ao professor é desumana e não possibilita que o mesmo se qualifique e planeje ações pontuais para combater a prática de bullying até mesmo no espaço escolar. Segundo Saviani (2000, p.2) "Agarrar-se à educação como se fosse a tábua de salvação para os problemas nacionais representaria uma posição ingênua, destituída de criticidade."
Assim, a partir do percurso realizado podemos compreender que realmente, o bullying e a intolerância não nasce na escola. O que temos é uma construção que na maioria das vezes vem do próprio espaço familiar (negligenciado), atrelados ao poder público que muitas vezes impões a cultura escolar sobre a cultura da escola e por fim "joga" a responsabilidade diretamente ao docente que em algumas situações não apresentam condições formativas, estruturais ou mesmo emocionais para reverter uma problemática que precisa ser tocada não pontual ou "festivamente" mas sim, de forma persistente e gradativa em cada sala de aula ou mesmo espaço escolar e gradativamente incorporado ao ambiente familiar do estudante.
Para ouvir:
Qual o papel da escola no combate ao bullying (Mario Sérgio Cortella & Pedro Cortella)
Bullying: características, consequências e tipos
Bullying e Ciberbullying - Nova lei pune com mais rigor práticas como essas na escola. É crime!
Para ler:
1 - SOUZA, Cícero Retrato de professores: associativismo docente em Pernambuco (1979/1982) - Tese de Mestrado.
2 - Repressão à comunidae LGBT na ditadura. 02/04/2021
3- SAVIANI, Demerval. Educação Brasileira: Estrutura e sistema. 2000. Ed. Autores Associados.
4- NÓVOA, António. Profissão professor. 1999. Porto Editora.
Cícero Souza
Professor ETE - Ginásio Pernambucano/Cabugá
(Governo do Estado de Pernambuco - SEE)
Mestre Ciências da Educação (Lisboa/Portugal)
Doutorando Ciência da Educação (Universidad Nacional de Rosario - UNR/ Argentina)
Doutor Ciências da Educação (Universidad Desarrollo Sustentable - UDS / Assunção - Paraguai).
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