"Mas há nas formas tão excessivamente carinhosas de cuidados para com os pets um perigo sempre iminente: a negação sobre sua natureza filogenética, suas marcas mais primitivas dos instintos, de tal forma que vestir uma roupinha, carregar-se de xuxinhas e penduricalhos, acabam por negar-lhes a sua própria essência que é própria de um animal..."
A presença dos animais em nossa forma de criação é muito antiga e também muito importante. Esses velhos companheiros, animais de estimação, sempre nos despertaram muito fascínio, especialmente na infância, de tal maneira que acabam por provocar uma transmissão de propriedades entre um e o outro, uma metonímia de nós mesmos. Tal relação, assim, nos remete, por comparação com o pequeno companheiro de quatro patinhas, à condição de nossa pequenez durante a infância: eles não falam e nós também não falávamos; são parte da família, possuem seu próprio lugarzinho, comunicam-se com os membros do grupo núcleo... prestam-se, então, a um duplo do humano em seu processo de aprendizagem no caminho de amar e ser amado.
"Portanto, ter os pets por perto é sempre muito importante na prática para a socialização dos pequeninos, o que implica, para a segurança dos adultos diante das inquirições infantis – muito próprias e necessárias –, como sejam “por quê tem que ser assim?”, “...por quê é você quem manda e sou eu quem tem que obedecer?”."
Na referência, nos refletem na necessidade de amar e ser amado, na visita ao veterinário em sua dependência total do outro (humanos) em uma analogia do universo infantil. É assim, inclusive, que podemos compreender o nascimento das fábulas, que dão voz e ação aos animais, sempre nos deixando alguma mensagem de comportamento, de relações, de vida no ensinamento às crianças. Aprender, então, vai se tornando uma fantástica aventura diante de cada vez mais novos desafios que vão surgindo para nos frustrar, nos madurecer, nos tornar sujeitos dos atos de nossa própria vida. Apresentamo-nos, assim, como o patinho feio que vai sendo rejeitado no grupo; a presa que precisa planejar a fuga diante da ameaça do lobo-mau; a eterna princesa em sua dispersa vigilância contra a maçã envenenada e em sua eterna espera pelo príncipe encantado, a certeza de uma vida para sempre feliz; uma árvore que fala, um coelho encantado, etc.
Como se percebe, os pets nos remetem a essa hibridização do animal com o
humano, da qual muito nos valemos, pais e tutores, para tratarmos sobre as
origens, as experiências, os valores sociais que sacramentam a cultura em cada
grupo social.
Portanto, ter os pets por perto é sempre muito importante na prática
para a socialização dos pequeninos, o que implica, para a segurança dos adultos
diante das inquirições infantis – muito próprias e necessárias –, como sejam
“por quê tem que ser assim?”, “...por quê é você quem manda e sou eu quem tem
que obedecer?”. Para escapar da “sinuca-de-bico”, os adultos, então, sob forma
de uma ação mental fantasmática, vão se embrenhando, e arrastando consigo a
criança, pelos labirintos do totem, dos mitos, expressões muito primevas da
autoridade instituída sobre os grupos sociais e, portanto, necessárias à
“organização” dos indivíduos.
E
na fantasia adulta, qual a diferença entre um pet e uma criança? Aahh, aí nos
blindamos, nós, adultos, da tirania
filial, aquela que algum dia poderá nos levar à Síndrome do Ninho Vazio:
além de nos remeter a todas as fantasias de nossa própria infância, um pet não
fala, não cresce e vai para a faculdade (assim, ínfimo o risco do abandono),
não responde agressivamente diante das imposições
paternas; enfim, não nos contraria como uma criança que vai crescendo e
transformando nossa gramática de amor. Os pets permanecem em sua posição
doméstica de serem amados pelo que eles são, naturalmente: pequenos seres que
deverão sempre estar sob nossa proteção, formas de amar que recapitulam em nós
as sensações de nossa primeiras (e tão saudosas) experiências amorosas.
"Assim, o animal tem que ser amado pelo que ele é, mas nunca como uma criança. Não deve ser amado conforme a imagem que queiramos lhe projetar ou sobre qual uso desejamos..."
Mas
há nas formas tão excessivamente carinhosas de cuidados para com os pets um
perigo sempre iminente: a negação sobre sua natureza filogenética, suas marcas
mais primitivas dos instintos, de tal forma que vestir uma roupinha, carregar-se de xuxinhas e penduricalhos, acabam por negar-lhes a sua própria
essência que é própria de um animal e que, por outro lado, nos leva a mais um
momento doloroso entre as neuroses humanas que é o momento da partida do pet, talvez, até, com a
necessidade de sacrificá-lo diante de um mal maior e irreversível e mesmo de
sua velhice muito mais precoce que a nossa. Isso nos faz pensar sobre a nossa
forma distinta de amar; sobre os pets, pode nos remeter sobre a ideia de que
somos parecidos (quando um latido, por exemplo, parece um sinal receptivo e bem
carinhoso...), mas efetivamente somos bem diferentes. O que sobra, aí,
remete-nos à nossa infância, às nossas fantasias, aos fantasmas do crescimento.
Assim, o animal tem que ser amado pelo que ele é, mas nunca como uma criança.
Não deve ser amado conforme a imagem que queiramos lhe projetar ou sobre qual
uso desejamos lhe dar, como recurso para tamponar
nossas faltas, nossa dificuldade de
amar, nossos desencantos, nossa solidão...afinal, os pets não
decepcionam!
Para dançar:
Para assistir:
Seja perseverante - acesso: 04/08/2024
Para ler:
Paixão nacional: vira-latas precisam de tantos cuidados quanto cães de raça. - acesso: 04/08/2024
João Montarroyos.
Historiador; ex-professor das redes pública e privada; ex-Secretário de Educação municipal em SE; psicólogo clínico, especilista em Terapia Comportamental.
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