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sábado, 27 de março de 2021

Sistema educacional brasileiro em tempos de Covid-19: entre a realidade e o desejo dos envolvidos

 

        São exatos 365 dias de incerteza ao que  vamos encontrar e quem por ventura vamos perder nesse caminho. Pois, de imediato é esse o sentimento que vivemos no dia-dia do mundo escolar, situação em que ficamos reféns de zelar pela nossa integridade emocional, de saúde e familiar e ao mesmo tempo atender ao nosso papel profissional e de pessoa humana desejando "acolher" cada aluno diante suas necessidades não apenas cognitivas mais principalmente emocionais.
        São quase dez anos que estava fora da sala de aula (tendo contato com alunos mas numa relação de pesquisa) e em 2020 decidi voltar atuar diretamente agora desenvolvendo todo um trabalho dentro da escola e retomando ideias e projetos que sempre acreditei, no entanto, foram apenas 45 dias de trabalho direto com o aluno ao que a pandemia de covid-19 travou tudo. O que de início parecia algo que se resolveria em meses a ineficácia das esferas governamentais (principalmente federal) mostrava que seria uma longa jornada. Assim, de todo um planejamento montado para o presencial tive que mudar completamente e (re) aprender a fazer o processo de ensino-aprendizagem ser  realidade. Como costumo dizer, fui me divertir!
       Muito ouvi que "os professores estão adorando ficar em casa e receber o seu salário certinho ao final do mês". É bem verdade que o salário não tem faltado, por sua vez, tem faltado bastante de privacidade pois a qualquer momento recebo contato dos alunos desejando sanar dúvidas (muitas vezes reais) mas que muitas outras por não desejar ler o informe da atividade aquele prefere contactar e pedir que os direcione "o que é para fazer mesmo?". Paralelo a essa realidade nesse período de 365 dias se tornou doloroso perceber o quanto estamos despreparados (professores, a família, o aluno e o governo) para fazer algo que na terminologia parece básico; "ensino híbrido e trabalho remoto".
Photo by cicero souza on December 27, 2020. May be an image of one or more people.

Fonte: Arquivo pessoal / março 2021
     Nessa nova realidade e modalidade muito aprendi e "me adaptei". Todo esse tempo construí e reformulei propostas, enfrentei não só o desafio de aprender mas de estimular e de "justificar" ao aluno a importância daqueles momentos que por sinal para ele não fazia sentido pois ao passar o ano fatídico de 2020, apesar de "todo mal atingido" estariam aprovados e nada mais justificaria todo aquele meu trabalho de diariamente  de estar conectado, preparando e enviando atividade e também buscando ter um feedback. Enfim: 2020 a pandemia de covid-19 e a realidade escolar mostrou que eu era um verdadeiro "Franktein" criatura e nunca o criador "Victor Frankstein".
    Estou atuando na área de ensino praticamente faz duas décadas e vi o quanto nossa educação melhorou, o quanto nossos alunos superaram obstáculos e viveram suas próprias conquistas. Mas, enquanto pesquisador, fazendo minhas leituras para construção da minha tese eu vejo o quanto os detentores do controle da máquina usam o sistema educacional para tirar o que realmente a população mais pobre precisa ter para fazer o diferencial a sua qualidade de vida. Todo esse tempo vejo o quanto a educação brasileira sempre acaba sendo nivelada "por baixo" e dos poucos momentos que "parecia percebida positivamente" voltava a ser jogada ao fundo do poço. Pesquisadores como Freire (1983), Valle (2009) e Cristiane (2009), Nóvoa, Saviani, Rubens Alves e tantos mais ao trazerem para o centro da discussão como a educação brasileira é conduzida há mais de 100 anos nos possibilita entender o momento atual que vivenciamos de crise sanitária mundial com a pandemia Covid-19, como os gestores estão tratando a nossa educação (estamos sem qual sinalização por parte do MEC) e o impacto a que estará exposta toda uma geração nos próximos 20 anos.
“Daí o temor e a confusão, o desamparo e a desesperança de ser educador hoje e aqui. Daí o sentindo da crítica que descobre por debaixo das “deficiências do sistema educacional”, as manipulações diabólicas  do sistema político sobre a educação.” (Brandão, Carlos Rodrigues / Chauí, Marilena S / Freire, Paulo (Org). O educador: Vida e morte, p.9, 2009)
“Não há saber mais, ou saber menos, há saberes diferentes” (foto: Instituto Paulo Freire)

"Nas décadas de 1950 e 1960, a educação escolar foi percebida por muitos como um assunto de segunda ordem, não sendo alvo principal de reformas que se realizavam na sociedade com vistas ao seu desenvolvimento e progresso social."  (Mélo, Cristiane. Estado e educação pela imprensa: o debate de Florestan Fernandes ante a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional(1959-1961).
       Mesmo que não desejemos pensar fica a questão: Dessa  nova geração atingida diretamente pela total ausência estrutural do ambiente educacional, quanto sofrerá para ingressar no mercado de trabalho? Qual será a postura de uma geração que por dois a quatro anos percebeu que progressão escolar é meramente burocrática? Como reduzir uma desigualdade social e de oportunidade quando continuamos a fazer uma educação dual (até mesmo na esfera pública)?
“Como se pode ver, a expansão das oportunidades foi lenta e os percursos escolares foram marcados pela exclusão: os próprios órgãos oficiais estimavam que dos 1.000 alunos que ingressaram na 1ª série em 1966, apenas 319 concluiriam a 4ª série, 47 terminariam o curso ginasial e 18 obteriam um diploma de nível médio (Kock, 1995: 35).” (Valle,IoneRibeiro &Ruschel, Elizete. A meritocracia na política educacional brasileira (1930-2000).
    Enfim, essa pandemia que atualmente matou mais de 300 mil pessoas só Brasil, destruiu tantas famílias e que foi e continua sendo motivo de chacota pela principal liderança brasileira  vai deixar uma triste "herança" principalmente na juventude brasileira. Passado tantos anos de luta por uma educação pública de qualidade e para todos só chegamos até o momento ao conceito universalizar, pois, enquanto qualidade, caberá ainda por um bom tempo cada família garantir pagando (mesmo que seja pela segunda vez) caro e ainda com reduzida qualidade. Quanto historicamente, quando cada brasileiro em futuro próximo desejar compreender o que aconteceu no Brasil em período de pandemia de Covid-19 e precisar de um 'CULPADO" logo vai encontrar o "responsável" para essa estagnação  histórica educacional. E de quem será a culpa? Do PROFESSOR ou da Pandemia Covid-19?

Cícero Souza

Professor e pesquisador.

Fonte:
1- Brandão, Carlos Rodrigues / Chauí, Marilena S / Freire, Paulo (Org). O educador: Vida e morte. Rio de Janeiro: Edições Graal. 1983. 3ª edição.
2- Mélo, Cristiane. 2009, p.39 - Estado e educação pela imprensa: o debate de Florestan Fernandes ante a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - 1959-1961.  (Valle,IoneRibeiro &Ruschel, Elizete. A meritocracia na política educacional brasileira (1930-2000).

Sites consultados:

1- A pandemia e os impactos irreversíveis na educação - As adaptações ao mundo digital na rede particular e pública diante da covid-19 é destaque do artigo de Paulo Arns, do Colégio Positivo.

2- 100 anos de Paulo Freire: ler o mundo antes das palavras - Em uma sociedade historicamente enraizada pela opressão, as contribuições do grandioso educador brasileiro, referência em pedagogia crítica, continuam vivas e cada vez mais necessárias

3- MEC dissolve grupo que iria renovar o Ideb e especialistas temem interferência ideológica.

4- Banco Mundial: pandemia pode deixar 70% das crianças brasileiras de até 10 anos sem compreender textos simples 'Esta é a pior crise na área de educação já vista na região', diz vice-presidente da entidade para a América Latina e o Caribe.

5- Um ano após escolas fecharem, nenhum estado comprou equipamentos digitais para ensino remoto.
https://extra.globo.com/noticias/educacao/um-ano-apos-escolas-fecharem-nenhum-estado-comprou-equipamentos-digitais-para-ensino-remoto-24924685.html 

domingo, 21 de março de 2021

Goleiro Barbosa, o eterno campeão de 1950: centenário de um homem injustiçado.

 Goleiro Barbosa, o eterno campeão de 1950: centenário de um homem injustiçado.


      Sempre ouvi frases que por muito tempo acreditava por inquestionáveis, sendo assim só tratava de repetir e a pouco pensar. Assim desde de criança sempre repetia:

"O Brasil é o país do futebol".

"Temos o mais belo futebol do mundo".

"O futebol une pessoas".

"Fomos campeões morais na Copa de 1982". 

" A maior tragédia do futebol brasileiro foi perder aquela Copa de 1950 em casa para o Uruguai".

        Pois bem, estas e tantas outras "verdades" persistem como inquestionáveis, porém, refletindo um pouco estava a pensar como só "reverenciamos os ditos vencedores", temos no panteão da bola apenas aqueles que foram os primeiros colocados e que levantaram as cinco Copas do Mundo (1958,1962,1970, 1994 e 2002) mas nem ao menos reverenciamos tantos que mesmo não chegando ao desejável primeiro lugar fizeram cada degrau para que o sonho de ter um lugar no "altar divino da bola" fosse realidade. Quantos heróis ficaram pelo caminho?

De tantos nomes desejo aqui trazer uma reflexão para a figura do "famoso-anômimo" Moacir Barbosa Nascimento. Reconhece? E se disser, o Barbosa? talvez não tenha ajudado muito! Mas, se dissermos aquele goleiro da Copa de 1950. 

Pois bem, é exatamente assim que costumamos lembrar dele.


                                                                Barbosa - 1945
                                                         Fonte:wikipedia.org/wiki/Moacir_Barbosa_Nascimento


Neste mês de março o eterno Barbosa completaria cem anos de nascimento, no entanto, partiu amargurado e preso num pesadelo que o acompanhou por cinco décadas; FOI CONDENADO DUAS VEZES A EXATOS 71 ANOS DE PESADELOS. Foi condenado "pela bola" que "agiu sem consciência". Mas pior, foi condenado por milhões de torcedores de uma maneira cruel e muito consciente. Como o ato de torcer foi injusto com aquele homem, negro e que marcou toda uma geração. Um homem que não teve a oportunidade de dividir com os demais (21 jogadores e toda comissão técnica da seleção brasileira) o peso de uma derrota no placar. Porém,  foi na verdade uma valiosa vitória pois a partir daquele momento o futebol nacional estaria cada ciclo mais próximo da glória máxima de erguer um cobiçado troféu.


                                         https://www.google.es/search?q=taça+jules

        Barbosa nasceu em Campinas / SP no dia 27 de março de 1921, atuou em vários clubes brasileiros mas foi no Vasco da Gama que construiu sua história de lenda de futebol. Foi também no Maracanã e no Rio de Janeiro que viveu o maior pesadelo da sua vida. O que havia passada na mente daquele "Guarda-metas" antes e depois daquele fatídico dia em que um lance marcou a sua existência nesse mundo?  da nossa parte enquanto torcedor sabemos exatamente o que aconteceu, afinal, aquela "verdade" em forma de imagem passou por gerações e hoje, 71 anos depois, ainda nos assombra. Quando me pergunto sou capaz de dizer que foi muito fácil e assim repito: " A partida estava 1 a 1, até que o ponta uruguaio Alcides Ghiggia recebeu a bola na área. Barbosa achou que ele iria cruzar e deu um passo para frente para cortar o cruzamento. Ghiggia então percebeu um pequeno espaço entre Barbosa e a trave e chutou ali, no canto esquerdo do gol. Pego de surpresa, Barbosa não conseguiu evitar o gol.


Eu disse que era fácil descrever. Quase que copiar e colar a descrição do lance da internet!

Não quero aqui ficar preso aquela partida mas sim levá-los a refletir como o Barbosa sofreu todo esse tempo  e poucos tiveram a grandeza de reconhecer o quão foi gigante o Barbosa todos esses anos, afinal, sozinho defendeu a honra de uma geração.

Que tal você agora pesquisar um pouco sobre toda essa história e ver como esse atleta, homem, negro foi injustiçado por tantos anos e por tantos torcedores. Ele resistiu bravamente e ainda resista a condenação que foi vítima. Barbosa com certeza sofreu por 50 anos em casa (durante seu sono), no trabalho (quando trabalhava na Suderj - em pleno Maracanã) e nas ruas ao tentar caminhar. Barbosa pouco teve voz pois afinal cabe ao condenado a resignação e cumprir a pena imposta. Se no período em que viveu não existia prisão perpétua no pais o homem Moacir Barbosa Nascimento , ou simplemente "GOLEIRO BARBOSA" recebeu e resignado cumpriu silenciosamente até sua morte. Se acreditavam que barrá-lo de entrar na Granja Comary (1994) ao tentar visitar o elenco da Seleção brasileira seria uma forma de humilhá-lo aqueles (dirigentes, imprensa e torcedores) realmente não conheciam a história gloriosa desse eterno goleiro da Seleção brasileira de futebol

         Sobre seu fim neste "mundo dos torcedores" podemos dizer que Barbosa faleceu no dia 7 de abril de 2000 na cidade de Praia Grande / SP, onde vivia com uma filha adotiva. Faleceu devido a uma parada cardiorrespiratória, após complicações de um AVC. Foi enterrado no cemitério Morada da Grande Planície, em Praia Grande/SP.

Para concluir faço uma citação do cronista  Armando Nogueira  que talvez consiga dizer a dimensão do que foi o goleiro Barbosa. Para Armando Nogueira: 

A respeito de Barbosa, assim escreveu o cronista Armando Nogueira: "Certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro. Era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mão trocada bolas envenenadas. O gol de Ghiggia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo o lance, mais o absolvo. Aquele jogo o Brasil perdeu na véspera"


Títulos

Vasco da Gama
Santa Cruz

Seleção Brasileira

Individual


Fontes: 

1 - Barbosa - A  final da Copa de 50 - pós Copa

https//www.imortaisdofutebol.com/201303/27/craque-imortal-barbosa/ 

2 - Goleiro Barbosa no JÔ Soares Onze e meia. 

https:// www.youtube.com/watch?=kUNPSfvjYP4.  

3- Imortais do Futebol. 

https://www.imortaisdofutebol.com/2013/03/27/craque-imortal-barbosa/


4- Barbosa: A carreira até a Copa de 1950

https://www.youtube.com/watch?v=cwVc30P44fI


sábado, 13 de março de 2021

Como naturalizamos a exploração.

Estamos em pleno ano de 2021 e nada parece fácil. Vivenciamos uma pandemia sem precedentes onde os números dizem intensamente o que está acontecendo, uma realidade fora do controle das instâncias públicas (federal, estadual e municipal), da população em geral que resiste atender as medidas de isolamento uma vez que dessa forma até mesmo estas pessoas ficam mais isoladas da necessária proteção do Estado (casos pontuais). Por outro lado, temos um grupo maior que em nome do individualismo contribui ao total de 273.184 mortes pelo covid-19 em todo Brasil e, um quase esgotamento, dos leitos de UTIs nas unidades hospitalares.

Mas, dos vários profissionais que atuam nos serviços essenciais temos os que trabalham no transporte público numa quase que total desproteção pois, além de estarem em contato direto com a população usuária de coletivos aqueles também enfrentam outros tantos descasos que poderíamos iniciar listando: por estarem em veículos sem praticamente qualquer higiene seja para o usuário de transporte público ou mesmo aqueles condutores que passam muitas vezes 12h de trabalho e refém de uma cidade que muitas vezes chega a exalar além de odores um calor de até 38 graus.

Fonte: Panfleto de protesto fixado em prédio da avenida Guararapes (Centro do Recife) - registro do autor.

No entanto, ao cruzarmos a cidade é possível percebermos algo muito mais desumano, vemos e até naturalizamos a exploração absurda que os motoristas dos transportes públicos sofrem para realizar suas atividades diárias. Você usuário, já percebeu que aquele profissional que conduz você ao seu destino não é mais apenas o motorista, ou seja, aquele a quem caberia sua segurança em trajeto que se propõe a fazer? Não é!

Hoje, um trabalhador do transporte coletivo ele conduz o veículo; cobra e conta a passagem; opera o elevador dos ônibus e ainda precisa ter total atenção a quem desce lá na porta traseira. Percebia? Talvez não, afinal, naturalizamos a exploração e assim a vida segue.

      É muito estranho como tudo está sendo "desmontado" ao que era realizado em passado bem recente (até anos 1950) quando havia uma cidade em crescimento e as empresas dinamizavam seu trabalho contratando cobradores como uma maneira de ter um serviço mais seguro e de mais qualidade (rentável também). Porém, em nome da tecnologia máquinas de leitura de cartão foram instaladas, prometeram (e até iniciaram) ar-condicionado nos ônibus mas ficou tudo na mera promessa como justificava ao aumento constante das passagens. Hoje, os veículos oferecidos (parte das linhas) são sujos, mal conservados e para agravar temos motoristas estressados e "obrigado" a desempenhar várias funções para assim viver longe da sombra do desemprego e alguns para garantir quem sabe um acréscimo a mais no salário no valor de R$-300,00, continuando porém com a obrigação de arcar com total prejuízo em caso de assalto que venha a sofrer no veículo ou dano material ao ônibus.


                                  Fonte: imagem meramente decorativa ao texto - registro do autor.

Muito triste o que estamos vivenciando e legitimando de alguma maneira. Qual o papel dos poderes públicos? A Justiça do Trabalho legitima a situação? O Consórcio Grande Recife acompanha e zela pelo bem do serviço prestado a população? E a classe desses trabalhadores, seus familiares e a população em geral o que pensam?


Cícero Souza - Professor e Historiador.